Em carta aberta publicada nesta quarta-feira, 31 de outubro (*), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), analisa os riscos associados à fusão do ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Segundo o documento, ambos os ministérios podem ter uma sinergia de ações, mas é essencial que permaneçam independentes, tendo em vista que a sobreposição das agendas destas pastas é apenas parcial. Além disso, a fusão da maneira que está sendo proposta levará ao desbalanço entre o setor econômico e ambiental, em detrimento deste último. O documento reforça ainda que a posição do Brasil no Acordo de Paris seja reafirmada.

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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem por meio deste documento externar suas preocupações com as notícias veiculadas na imprensa brasileira sobre a junção dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) com o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e da mesma forma, sobre uma possível saída do Brasil do Acordo de Paris. Nosso posicionamento é o que se segue:

 Riscos associados à fusão MMA e MAPA

O recente anúncio da fusão do MMA com o MAPA causa grande apreensão para toda comunidade científica brasileira. O Brasil é um país singular por ser o mais biodiverso do planeta, e ter uma excepcional diversidade cultural. Qualquer projeto de desenvolvimento do País deve valorizar essas diversidades, e utilizar os recursos e serviços providos pelos ecossistemas de forma responsável e sustentável. Neste contexto, o papel do MMA é crucial, regulando o licenciamento de atividades econômicas com potencial prejuízo ambiental, e garantindo a perpetuação do patrimônio biológico e cultural do País.

A fusão dos ministérios causa preocupação por diversas razões. Uma das principais missões do MMA é a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos por meio do planejamento e gerenciamento de uma rede de Unidades de Conservação, como Parques, Reservas Biológicas ou Áreas de Proteção Ambiental, estabelecimento de planos para proteção de espécies ameaçadas de extinção, atividades essas que requerem um conhecimento e competência completamente distintos daquelas da área agrícola.

Ademais, o MMA trata de assuntos que vão muito além do ambiente rural e das Unidades de Conservação, como por exemplo o controle da poluição de áreas urbanas, onde vive cerca de 85% da população brasileira, o desenvolvimento de energias limpas, ou toda a questão do estímulo à economia circular, ligada à redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. As obras licenciadas pelo MMA incluem portos, estradas, mineração, hidroelétricas, parques eólicos, todas elas com particularidades técnicas, sociais e ambientais que não estão ligadas necessariamente à produção agropecuária, e sim na busca de um desenvolvimento sustentável.

No que tange especificamente à regulação ambiental na área da produção agropecuária, a impressão imediatamente causada pela iniciativa é que um setor regulado passará a comandar o setor regulador. Para que haja um adequado balanço nas decisões de licenciamento ambiental, que equilibre os interesses da expansão econômica e os riscos ou danos ambientais decorrentes de tais atividades, é importante que nenhum desses setores, econômico ou ambiental, predomine na tomada de decisão. A fusão dos ministérios traz um grande risco para esse equilíbrio, visto que as primeiras sondagens para a escolha do futuro ministro buscaram indicações apenas no setor diretamente ligado ao agronegócio. Isto não é o ideal, da mesma forma que o inverso também não seria.

Se o objetivo da fusão é facilitar o diálogo entre esses setores, estimular sinergias e complementaridades, para ter equilíbrio em todos os níveis de tomada de decisão, o futuro ministro e seus secretários precisariam ter conhecimento e experiência tanto na área produtiva quanto ambiental. Caso a área produtiva predomine, haverá enfraquecimento do setor ambiental, tanto no planejamento da conservação quanto na questão de licenciamento ambiental. A consequência imediata seria um enfraquecimento do sistema de Unidades de Conservação e do processo de licenciamento ambiental, que, contrariamente ao desejado, tornar-se-ia mais moroso. Para acelerar a implantação de corretas políticas ambientais integradas com políticas agrícolas sustentáveis, deve-se reforçar o licenciamento ambiental para viabilizar o planejamento ambiental e agrícola integrados e interdependentes da paisagem rural na busca do desenvolvimento sustentável, havendo a necessidade de reforçar e não enfraquecer o MMA. É preciso ter em mente que a polarização ambiental versus rural, com seu apogeu na discussão do Código Florestal, é atualmente uma agenda superada e o meio ambiente não é mais considerado um empecilho ao desenvolvimento, pois quando bem planejado se torna em uma excelente ferramenta de desenvolvimento agrícola sustentável, inclusive com aumento de produtividade. O meio ambiente deve ser visto como um diferencial do país nos mercados interno e externo e um dos sustentáculos de um modelo mais sustentável de desenvolvimento.

Existem muitas sinergias, uma vez que áreas de vegetação nativa podem prover importantes serviços ambientais, garantindo suprimento de água, tanto para a agricultura quanto para abastecimento urbano, assegurando estabilidade dos solos e evitando a erosão e perda de áreas produtivas, auxiliando na regulação climática, na polinização de culturas e no controle de pragas agrícolas, todos esses serviços sendo indispensáveis para a sociedade e tendo alto valor econômico.

Se o objetivo é enxugar a máquina administrativa, dever-se-ia reduzir a burocracia e até estruturas ministeriais, eliminando superposições administrativas. Seria interessante pensar de forma que atendesse necessidades do País, pois essa junção do MMA e o MAPA pode ser prejudicial até para a balança comercial do País no setor do agronegócio. A extinção do MMA levará ao enfraquecimento da imagem internacional de responsabilidade ambiental do País. Uma das graves consequências deste comprometimento de imagem pode ser o surgimento de barreiras comerciais aos produtos brasileiros, um verdadeiro retrocesso do setor que mais depende de exportações e que tem sido um esteio no suporte da balança comercial brasileira.

Desta forma, a fusão do MMA com o MAPA traz um eminente risco de enfraquecer a atuação dos dois ministérios, em um momento importantíssimo para o Brasil que está caminhando no sentido de integrar o planejamento agrícola com o ambiental, resultando em benefícios ambientais, sociais e principalmente econômicos.

A complexidade de temas tratados pelo MMA mereceria pensar a temática ambiental num contexto mais amplo, além do agrícola, transversal e de oportunidades, voltado para o desenvolvimento sustentável do ambiente rural e urbano, abrangendo e integrando metas sociais, econômicas e ambientais.

 

Riscos associados a abandonar o Acordo de Paris.

Na histórica Conferência do Clima em Paris, em 2015, o Brasil apresentou metas que surpreenderam o mundo, entre elas a redução de 43% de suas emissões totais de gases poluentes que aquecem o planeta até 2030, em relação aos valores de 2005, a mais ambiciosa meta de redução entre os grandes países em desenvolvimento.

Recentemente, no calor do debate eleitoral, o agora presidente eleito, sinalizou o desejo de que o Brasil, a exemplo do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixasse o acordo firmado na capital francesa. Porém, são várias as razões para o Brasil não deixar o Acordo de Paris.

No Brasil, cerca de 65% das emissões de gases de efeito estufa advém de mudanças de usos da terra e da agricultura. Perseguir uma vigorosa agricultura de elevada produtividade e de baixo carbono trará inúmeros benefícios para o País. O conjunto de técnicas desenvolvidas para essa moderna agricultura torna os sistemas agropecuários mais produtivos, lucrativos e resilientes aos extremos climáticos que estão ocorrendo e são comprovados cientificamente todos os dias nas várias regiões do mundo.

Como reiterado pela ciência no relatório especial do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) publicado no começo de outubro, manter o aumento da temperatura global dentro do limite de 1,5oC, requer a manutenção de florestas existentes e a restauração florestal de áreas agrícolas de baixa aptidão e produtividade, como maneiras de retirar gás carbônico da atmosfera. É a solução natural mais efetiva para mitigar as mudanças climáticas, sem comprometer a produção agrícola. A manutenção das florestas e a restauração dessas áreas degradadas que não contribuem efetivamente para a produção agrícola brasileira, contribuirão decisivamente para conservar água, reduzir a erosão e perda de solos férteis, mitigar os extremos climáticos e aumentar o número e diversidade de polinizadores, todos claros benefícios para o meio ambiente e para a agropecuária brasileira

No documento “Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira”, elaborado este ano pela Embrapa, é destacada a tendência da integração e intensificação sustentável da agropecuária brasileira, que pode contribuir para o País zerar o desmatamento ilegal em todos os seus biomas e se tornar o mais importante sumidouro de carbono da atmosfera até o final do século. De fato, a questão ambiental atualmente entrou na agenda de negócios como uma estratégia de atendimento as legislações ambientais de países importadores e exportadores como estratégia de abertura e manutenção de mercados. Internamente, quando o radicalismo é eliminado e o bom senso orienta as políticas setoriais, o ambiental e o rural podem gerar rendas e beneficiar a população na melhoria da qualidade de vida.

Perseguir a intensificação sustentável da agropecuária por meio da construção de uma política agrícola integrada com a ambiental, é a decisão mais correta que o País deve tomar. Retomar a redução dos desmatamentos e aumentar a tecnificação das áreas agriculturáveis disponíveis, tornam-se ações urgentíssimas em função das tendências recentes de aumento do desmatamento, especialmente neste ano transição política. Também tem estreita relação com a manutenção e expansão de mercados para nossos produtos agrícolas, pecuários e florestais, com a preocupação crescente entre os países importadores, quanto aos aspectos sociais e ambientais associados à produção.

Também no setor de energia o Brasil tem muito a ganhar com o cumprimento do seu papel de liderança no Acordo de Paris. As energias renováveis limpas como solar e eólica se mostram cada vez mais viáveis no País. Já ficou demonstrada a possibilidade tecnológica e economicamente factível de implementá-las em grande escala, aliada à eletrificação dos veículos, e pensar um País livre dos combustíveis fósseis até meados deste século. Tal política geraria mais empregos e reduziria em muito os problemas de poluição das cidades brasileiras, aumentando a expectativa de vida dos habitantes das grandes cidades entre 1 e 3 anos.

O Brasil merece continuar a ser um dos protagonistas no combate às mudanças climáticas e cumprir os compromissos assumidos perante o Acordo de Paris. Isto nos coloca integrados irreversivelmente na trajetória de sustentabilidade. Os benefícios de médio e longo prazos são incontestáveis: maior segurança alimentar, energética e hídrica, desenvolvimento econômico seguro, agricultura sustentável, proteção das florestas e da biodiversidade, respeito pelas comunidades tradicionais. Não há caminhos alternativos para a prosperidade, felicidade e bem-estar dos brasileiros senão aquele que respeita a saúde planetária.

Desta forma, a SBPC fundamentada em dados científicos, solicita que o MMA e o MAPA permaneçam como ministérios integrados, mas independentes, e que a posição do Brasil no Acordo de Paris seja ratificada.

 

 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

 

(*) Publicada originalmente na Edição Extraordinária do Jornal da Ciência de 31 de outubro de 2018.