São Paulo, 01 de março de 2024 – O que espécies tão distintas como tilápia, javali, mexilhão-dourado, sagui, pínus, tucunaré, coral-sol, búfalo, mamona e amendoeira-da-praia têm em comum?

Todas são espécies exóticas invasoras (EEI) presentes no Brasil. EEI é o termo usado para designar plantas, animais e microrganismos que são introduzidos por ação humana, de forma intencional ou acidental, em locais fora de seu habitat natural. Esses intrusos se reproduzem, proliferam e se dispersam para novas áreas, onde na maioria das vezes ameaçam as espécies nativas e afetam o equilíbrio dos ecossistemas. Um estudo inédito lançado hoje pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) apresenta uma síntese do conhecimento científico disponível sobre espécies exóticas invasoras no país.

O “Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” conceitua o problema, lista as espécies, suas principais formas de introdução e os ambientes que ocupam e aponta os impactos provocados e as medidas de gestão recomendadas para o Brasil enfrentar essa ameaça em curto, médio e longo prazos. O texto foi produzido por 73 autores líderes, 12 colaboradores e 15 revisores de instituições de pesquisa e de órgãos públicos, representantes do terceiro setor e profissionais autônomos de todas as regiões do país, em um esforço que buscou conciliar gênero, raça e expertise.

Em uma versão simplificada do documento – o Sumário para Tomadores de Decisão (STD) – 16 especialistas resumem os principais resultados e as mensagens-chave do relatório, com linguagem e infográficos didáticos para auxiliar gestores e lideranças governamentais e empresariais na tomada de decisão acerca da prevenção e do controle das invasões biológicas no território nacional. “A ideia
não é dar uma receita, mas sim prover informações objetivas pensando em sua aplicação para a construção e a implementação de políticas públicas e privadas, assim como de iniciativas de manejo”, explica Michele de Sá Dechoum, professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina e uma das coordenadoras do relatório.

Problema de grandes proporções – Segundo o estudo, existem 476 espécies exóticas invasoras registradas no Brasil, sendo 268 animais e 208 plantas e algas, em sua maioria nativas da África, da Europa e do sudeste asiático. Elas têm como principal via de introdução o comércio de animais de estimação e de plantas ornamentais e hortícolas e estão presentes em todos os ecossistemas, com maior concentração em ambientes degradados ou de alta circulação humana. “Áreas urbanas são vulneráveis a espécies exóticas invasoras devido ao grande tráfego de pessoas, commodities e mercadorias via portos e aeroportos”, diz o texto do STD, que revela a gravidade da extensão
territorial do problema e de seus efeitos ambientais, sociais e econômicos. Foram identificadas 1.004 evidências de impactos negativos e apenas 33 positivos, pontuais e de curta duração, em ambientes naturais.

Ao longo de 35 anos (1984 a 2019) o prejuízo mínimo estimado em razão dos impactos ocasionados por apenas 16 espécies exóticas invasoras variou de USD 77 a 105 bilhões de dólares – uma média anual de USD 2 a 3 bilhões. Dentre elas estão principalmente pragas agrícolas e silviculturais (USD 28 bilhões) e vetores de doenças (USD 11 bilhões) e os custos são atrelados a perdas de produção e
horas de trabalho, internações hospitalares e interferência na indústria de turismo. O mexilhão-dourado também acarreta sérios danos econômicos, afetando empreendimentos hidrelétricos, estações de tratamento de água e tanques-rede de fazendas aquícolas. “Estima-se que a limpeza das bioincrustações pode chegar a R$ 40 mil/dia para uma usina de pequeno porte e, para grandes usinas, como a de Itaipu, esses valores atingem R$ 5 milhões/dia, pela paralisação das turbinas”, informam os autores na publicação.

Outro aspecto citado são as invasões biológicas por mosquitos como os do gênero Aedes, associados aos chamados arbovírus, que têm gerado graves consequências à saúde pública, em virtude de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela urbana. O documento chama a atenção, no entanto, para o fato de ainda haver no país muitas lacunas de avaliação e de valoração dos impactos de espécies exóticas invasoras.
Arcabouço legal e conflito de interesses – O Brasil é signatário de convenções internacionais acerca do tema e tem o conhecimento técnico e uma estrutura legal e institucional suficiente para ampliar a prevenção e o controle de invasões biológicas. Uma das coordenadoras do estudo, Andrea Junqueira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que existem instrumentos jurídicos no âmbito federal, estadual e municipal que definem critérios para o uso de EEIs em sistemas de produção e para a gestão destas em processos de licenciamento ambiental. “A questão é colocá-los em prática”, pontua. Os autores advertem que as ações frequentemente ocorrem de maneira desarticulada e pulverizada e defendem no relatório que a legislação vigente deveria ser consolidada em uma política nacional, que trate de prevenção, controle e mitigação de impactos negativos nas esferas ambiental, agropecuária, sanitária e sociocultural.

O biólogo Mário Luis Orsi, professor da Universidade Estadual de Londrina e também coordenador do estudo, lembra que em alguns casos há ações de governança sendo aplicadas de forma equivocada. “Existem incentivos ao uso de espécies notoriamente invasoras e de alto impacto, como por exemplo a tilápia e o pínus, que exercem uma dominância nos ambientes e ameaçam a permanência das espécies nativas”.

De acordo com Dechoum, das cinco maiores causas de perdas de biodiversidade – destruição de habitat, mudanças climáticas, poluição, sobre-exploração de recursos naturais e EEI –, a mais negligenciada na gestão pública brasileira são as invasões biológicas. “Isso acontece porque é um tema polêmico que envolve conflitos de interesse de diferentes setores econômicos, visto que algumas EEIs oferecem benefícios pontuais a determinados segmentos. E também pela deficiência de conhecimento técnico, tanto na perspectiva conceitual quanto das medidas de gestão e manejo necessárias”, detalha.

O texto salienta que “embora os benefícios da introdução intencional de espécies possam ser restritos a setores, empresas ou grupos sociais específicos, os custos relacionados aos prejuízos e ao manejo dessas espécies são compartilhados por toda a sociedade. As evidências de impactos negativos causados por invasões biológicas em ambientes naturais são 30 vezes superiores àquelas referentes aos impactos positivos”.
Conhecimento e engajamento para manejo – Uma recomendação para a boa gestão e execução de ações de manejo dos invasores biológicos é a publicação de listas de EEIs. O Brasil não tem uma lista oficial, mas a base de dados nacional de espécies exóticas invasoras gerenciada pelo Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, sediado em Florianópolis (SC), tem sido uma fonte de referência. Os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal e Bahia já instituíram suas listas oficiais. “As listas são fundamentais e sem elas fica difícil e quase ineficaz qualquer planejamento de ações de manejo. Portanto os estados que possuem suas listas já estão um passo à frente”, diz Orsi. Para Junqueira, a principal repercussão da publicação de listas é aumentar a percepção do problema e em consequência auxiliar a gestão em cada estado, tendo idealmente uma coordenação federal.

Dentre as EEIs, há animais e plantas considerados carismáticos, como cães e gatos domésticos, árvores ornamentais e algumas espécies de tartaruga e de primatas. “Nesses casos, é mais difícil aos leigos entenderem sobre o impacto que causam”, conta Orsi. Junqueira esclarece que cães e gatos de estimação só se tornam uma ameaça quando soltos ou abandonados. “Sobretudo se adentram áreas protegidas, onde podem transmitir doenças e caçar a fauna silvestre nativa, interferindo no equilíbrio ecológico local”. A disseminação de conhecimento sobre a origem de espécies exóticas invasoras e suas implicações negativas para a sociedade pode ajudar a reduzir a oposição popular frente ao manejo dessas espécies. No estudo os autores citam, dentre os casos de sucesso do engajamento público no manejo de EEIs, o programa de controle de pínus em dunas no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC) e o projeto Cipó Vivo, focado no controle de braquiária no Parque Nacional da Serra do Cipó (MG).

“Algumas empresas de produção madeireira estão eliminando espécies exóticas invasoras fora das áreas de produção, por exigência de certificadoras”, conta Dechoum. O setor de geração de energia também tem sido um exemplo de reconhecimento do problema das invasões biológicas e vem seguindo agendas positivas na minimização dos impactos.

Agilidade na tomada de decisão – Os pesquisadores são unânimes em afirmar que a principal mensagem do relatório diz respeito à agilidade na tomada de decisão sobre o manejo de EEIs. Como as invasões biológicas são processos de baixa previsibilidade e alto risco, uma resposta rápida
aumenta a chance de sucesso para prevenir e mitigar suas consequências. “A inação, assim como a demora na ação, leva ao agravamento de invasões biológicas e de impactos negativos com o passar do tempo”, detalha o documento.

Por Isabela Lima