Boletim Interfaces BPBES entrevista Fabio Rubio Scarano, coordenador da BPBES, que fala sobre novas abordagens em biodiversidade e serviços ecossistêmicos, ciência e suas relações com políticas públicas.

Atualmente Fabio é Diretor Executivo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e Professor Associado de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Liderou até 2015 a ONG Conservation International (CI), onde foi Diretor Executivo do programa do Brasil e Vice-Presidente Sênior da Divisão das Américas. Fabio é graduado em Engenharia Florestal pela Universidade de Brasília (UnB) e doutorou-se em Ecologia na Escócia, na Universidade de St. Andrews. Possui mais de 100 publicações científicas, orientou mais de 30 alunos de mestrado e doutorado. É autor do Painel Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

 

Interfaces – Por que discutir a conservação do meio ambiente pela perspectiva da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos?

Fabio Scarano – Não é exatamente na conservação do meio ambiente que estamos interessados, mas sim da vida, inclusive a da nossa espécie. Por isso, a abordagem que pretendemos estimular com o IPBES e o BPBES é uma que integre Biodiversidade, Serviços Ecossistêmicos e bem-estar das pessoas. Esses três componentes são intimamente conectados, mas a ciência tende a tratá-los de forma disciplinar, em caixas, como se fossem independentes.

Interfaces – Qual a situação que vivenciamos hoje em relação a políticas ambientais brasileiras?

FS – Uma situação esquizofrênica. Por um lado, temos avanços. Apesar do debate da correção ou não do novo Código Florestal, ele finalmente parece que dá alguma perspectiva de cumprimento. Por sua vez, os compromissos que o país fez junto ao Acordo de Paris da Convenção do Clima, remetem a uma perspectiva de adaptação às mudanças climáticas com base em ecossistemas. Ao contrário da maior parte dos compromissos feitos pelos outros países signatários do acordo, os brasileiros apresentam métricas quantitativas e são amparados na legislação nacional. Por outro lado, temos dezenas de projetos de lei tramitando no congresso nacional que botam em risco anos de construção do sistema nacional de conservação, incluindo UCs e terras indígenas. A analogia que faço é com um gigante hesitante, que não sabe se trilha o caminho da sustentabilidade ou o da insustentabilidade. Por se tratar de um gigante, o caminho que escolher deverá ter um enorme impacto. Tomara que a escolha seja boa para que o caminho seja positivo.

Interfaces – Como este cenário poderia ser reorganizado?

FS – Essa é a pergunta de 1 trilhão de dólares. Vivemos o que alguns chamam de tempos pós-normais, no qual complexidade, contradição e caos imperam. Nesses tempos, fatos são incertos, valores estão em disputa, interesses são enormes e decisões urgentes. 2030 é um horizonte de tempo importante – espera-se que até lá o mundo tenha alcançado os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, definidos pelas Nações Unidas. Ainda é difícil imaginar que em 13 anos teremos pobreza e fome zero no mundo, uma redução significativa na emissão de gases estufa, e vida na terra e na água em bom estado de conservação. Se não alcançarmos isso em 13 anos, os cenários para 2050 – provavelmente com a temperatura média do planeta em pelo menos 2 graus acima da era pré-industrial – são assustadores. Por tudo isso, para que o Brasil faça a sua parte nessa virada de jogo, temos que em primeiro lugar ter senso de urgência. Precisamos que a ciência dialogue com esses desafios e, pra esse fim, ela precisa ser bem transdisciplinar que é hoje, além de focada em soluções. Precisamos que essa nova ciência informe a tomada de decisão e inspire políticas e práticas. E, por fim, precisamos que a tomada de decisão se paute mais pelo bem coletivo, que por interesses pessoais e mesquinhos. Talvez difícil de se acreditar nessa transformação, no Brasil atual, mas em grande parte depende de todos nós.

Interfaces – Quais os diferenciais da BPBES e da IPBES?

FS – A visão dos dois painéis é abordar biodiversidade, serviços ecossistêmicos e bem-estar das pessoas de maneira integrada. Em si, isso já é um bocado diferente do que a ciência vem habitualmente fazendo, que se restringe às caixas disciplinares. Eles são originais também na medida em que buscam agregar e dar igual peso a conhecimentos não científicos acerca desses temas. No caso do BPBES, o processo em curso busca a participação de vários atores não acadêmicos através da realização de diálogos setoriais, nos quais se procura absorver e dar tratamento a grupos que vão de governo e corporações, até organizações do terceiro setor e movimentos sociais.

Interfaces – O que é preciso para que abordagens como a BPBES e o IPBES possam ser bem sucedidas?

FS – É preciso muito diálogo e também a ambição de partir do diálogo pra prática. Como de problemas o Brasil e o mundo estão cheios, se esses painéis mantiverem seu foco em soluções, a chance de sucesso aumentará muito.